quarta-feira, 24 de maio de 2017

Sophia de Mello Breyner Andresen - Biografia

Nascida a 6 de Novembro de 1919, no Porto, foi uma das mais importantes poetisas portuguesas do século XX. Foi a primeira mulher portuguesa a receber o mais importante galardão literário da língua portuguesa: o Prémio Camões, em 1998.
Possui origem dinamarquesa no lado paterno. Criada na velha aristocracia portuguesa e educada nos valores tradicionais da moral cristã, foi dirigente de movimentos universitários católicos quando frequentava Filologia Clássica na Universidade de Lisboa, que nunca chegou a concluir.
Veio a tornar-se uma das figuras mais representativas de uma atitude política liberal, apoiando o movimento monárquico e denunciando o regime salazarista e os seus seguidores. Ficou célebre como canção de intervenção dos Católicos Progressistas a sua "Cantata da Paz", também conhecida e chamada pelo seu refrão: "Vemos, Ouvimos e Lemos. Não podemos ignorar!".
Distinguiu-se também como contista (Contos Exemplares) e autora de livros infantis (A Menina do MarO Cavaleiro da DinamarcaA FlorestaO Rapaz de BronzeA Fada Oriana, etc). Foi também tradutora de Dante Alighieri e de William Shakespeare.
Sophia de Mello Breyner Andresen faleceu aos 84 anos, no dia 2 de Julho de 2004, em Lisboa.

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terça-feira, 23 de maio de 2017

António Gedeão (Biografia) e as Suas Obras: "Lágrima de Preta", "Poema Para Galileu" e "Pedra Filosofal"

Rómulo Vasco da Gama de Carvalho nasceu no dia 24 de Novembro de 1906 e faleceu no dia 19 de Fevereiro de 1997, em Lisboa. Foi professor de física e química do ensino secundário no Liceu Pedro Nunes e no Liceu Camões. Foi pedagogo, investigador da história da ciência em Portugal, divulgador da ciência e poeta sob o pseudónimo de António Gedeão.


Lágrima de Preta

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.


O poema transmite-nos uma mensagem profunda e uma lição cheia de humanismo: o sujeito poético vai analisar uma lágrima de uma mulher de raça negra e provar que a sua lágrima é igual a qualquer outra lágrima (neste caso, igual às lágrimas da raça branca).
Esta é a ideia central do poema, onde vemos a vertente anti-racista do mesmo, que poderá ser exposto em qualquer propaganda contra o racismo realizada nos dias de hoje.
O poeta suscita nos leitores uma reflexão sobre o essencial e o acessório, sobre o interior e o exterior, sobre a essência e a aparência, sobre o modo como convivemos com os outros e como aceitamos essa diferença.


Poema Para Galileu

Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.

Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!

Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.

Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar- que disparate, Galileo!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação-
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.

Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.

Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se tivesse tornado num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.

Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas- parece-me que estou a vê-las -,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e descrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai Galileo!
Mal sabem os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.

Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto incessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa do quadrado dos tempos.

Este poema discursa sobre uma época situada por volta de 1600, e sobre a vida de um dos "gigantes da física". Galileu que antes de 1611 ensinava matemática, ainda fazia suas explicações do sistema planetário com geocêntrico, mas já estava entrando em contacto com as leituras de Copérnico. Em cartas a Kepler, a discussão sobre o sistema heliocêntrico séria ridículo, pois em contra posição as ideias aristotélicas e a simplicidade contidas nelas, bastavam para responder sobre muitas observações dos corpos celestes e outros fenómenos. 
Porém em 1609, com a utilização do telescópio (Creditado a Hans Lippershey a sua criação) Galileu pode fortificar a defesa da teoria heliocêntrica. Assim, por meio de várias observações Galileu descobriu refutações do que propunha os ideais aristotélicas-ptolomaico, das quais propunham os corpos celestes depois da Terra como, feitos por matéria “etérea” justificando a não queda para o centro do universo, o centro da Terra. Dentre essas refutações estão:
A superfície da Lua:
Galileu percebeu que a Lua tinha em sua superfície crateras, as quais contradiziam a crença popular da época.
A concepção da via-láctea:
Também, em suas observações Galileu conseguiu atentar para estrelas jamais vistas a olho nu. O que antes era apenas admiração aos olhos humanos, se tornou então um problema já que a maioria delas não era vistas por eles.
Os satélites de Júpiter:
Ao apontar o telescópio para o "errante" Júpiter (os planetas eram chamados de errantes, pois em algumas épocas de suas órbitas realizavam movimentos retrógrados), Galileu percebeu os movimentos de 4 corpos celestes. Os quais realizavam esses movimentos ao redor de Júpiter e não ao redor da Terra como propunha o conhecimento da época.
Foi assim que Galileu, cujas ideias já estavam desfavoráveis ao geocentrismo publicou em 1610, o livro "Sidereus Nuncius" (tradução ao português: "O mensageiro das estrelas"). Neste livro estavam contidas as observações e relatos das refutações, a cima, descritas sucintamente.


Pedra Filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

O título do poema remete para a alquimia (uma substância que, segundo a lenda, adicionava-se aos metais pobres para se transformarem em ouro). Assim, este título associa o sonho humano à magia dos alquimistas, sugerindo que o sonho transforma em ouro as fraquezas e as pequenas ambições humanas.
O sonho faz parte da vida dos seres humanos, é tão frequente, concreto e definido como uma pedra, um ribeiro, os pinheiros, as aves, tudo fazendo parte da Natureza. Estas comparações que surgem no início do texto sugerem que o sonho é uma coisa simples, mas, ao mesmo tempo, complexa, porque é muito difícil de definir. Apontam ainda o quanto os sonhos são abstratos e subjetivos, podendo, no entanto, ser transformados em algo tão concreto e definido como outra coisa qualquer. 

sexta-feira, 19 de maio de 2017

"Autopsicografia", "O Amor Quando Se Revela" e "Não Sei Quantas Almas Tenho" - Fernando Pessoa

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.


Esta composição poética é uma síntese do que Fernando Pessoa pensava sobre a génese e a natureza da poesia. Pode-se considerá-lo como uma verdadeira "arte poética".
O assunto do poema desenvolve-se em três partes lógicas, que correspondem a cada uma das estrofes:
Na primeira parte, o primeiro verso contém a ideia fundamental do poema, na frase de tipo axiomático "o poeta é um fingidor", que, logo a seguir, é explicado, ou confirmado, por meio de uma particularização centrada na dor.
Na segunda parte do poema, o poeta alude à fruição artística da parte do leitor. Este não sente a dor real (inicial), que o poeta sentiu, nem a dor imaginária (dor em imagens) que o poeta imaginou, ao ser artífice do poema, nem a dor que eles (leitores) têm, mas só a que eles não têm. Isto é, o que o leitor sente é uma quarta dor que se liberta do poema, que é interpretado à maneira de cada leitor.
A terceira parte do poema, como a própria expressão "E assim" prenuncia, constitui uma espécie de conclusão: o coração (símbolo da sensibilidade) é um comboio de corda sempre a girar nas calhas da roda (que o destino fatalmente traçou) para entreter a razão. Há aqui uma referência à função lúdica da poesia, que começa na fruição de que o próprio poeta goza, no acto da criação artística. São aqui marcados os dois pólos em que se processa a criação do poema: o coração (as sensações donde o poema nasce) e a razão (a imaginação onde o poema é inventado). Fecha-se neste fim do poema como que um círculo cuja linha-limite marca uma pista sem fim em que nunca se esgota a dinâmica do jogo sensação-imaginação.




O Amor Quando se Revela

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar, 
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...


Sendo o poema em questão um poema que toca o tema do amor, não se pode certamente considerar como um poema de amor. Isto porque, como é hábito de Pessoa, muitas das vezes os temas mais simples são processados, refinados, intelectualizados; de maneira a que a mais simples exposição de ideias nunca é apenas uma exposição de sentimentos.
Isto nota-se ainda mais quando são poemas ortónimos, escritos em nome do próprio Fernando Pessoa, porque sem artifícios ou máscaras transparece frágil e sem cor o sentimento de estar perdido no mundo, de fragilidade, de incapacidade e tristeza - marcas inextinguíveis do carácter do poeta e que encontravam, na sua poesia, o escape natural.




Não Sei Quantas Almas Tenho

Não sei quantas almas tenho. 
Cada momento mudei. 
Continuamente me estranho. 
Nunca me vi nem achei. 
De tanto ser, só tenho alma. 
Quem tem alma não tem calma. 
Quem vê é só o que vê, 
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo, 
Torno-me eles e não eu. 
Cada meu sonho ou desejo 
É do que nasce e não meu. 
Sou minha própria paisagem; 
Assisto à minha passagem, 
Diverso, móbil e só, 
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo 
Como páginas, meu ser. 
O que segue não prevendo, 
O que passou a esquecer. 
Noto à margem do que li 
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.



Este poema, em análise, é, claramente, um poema de reflexão por parte de Fernando Pessoa e não tanto um poema de análise psicológica da sua mente. Diz-se isto recordando certas passagens do poeta em que este recorda ler o que escreveu com grande estranheza: é como se a sua obra lhe fosse estranha, quando ele percorre as páginas do seu passado. 
 Devemos compreender que em Pessoa a obra se confunde com a vida. Aliás, em determinados momentos Pessoa abdica da vida em favor da obra (o exemplo maior terá sido Ofélia, a sua única namorada conhecida).

 É pois nesta perspectiva que este poema deve ser lido. Imaginemos Pessoa sentado, perto da sua arca de inédito, num dos últimos meses da sua vida, relendo as páginas de há 5, 10, 20 anos e o que lia ele senão passagens quase irreconhecíveis de outros «eus», que não ele mesmo. 

Fernando Pessoa - Biografia

Fernando Pessoa, nascido a 13 de Junho de 1888 em Lisboa e falecido a 30 de Novembro de 1935, também em Lisboa, foi um criticamente aclamado poeta e escritor português. Pessoa é o mais universal poeta português. Por ter sido educado na África do Sul, numa escola católica irlandesa, chegou a ter maior familiaridade com o idioma inglês do que com o português ao escrever os seus primeiros poemas nesse idioma. Foi também um frequente tradutor, tendo traduzido obras inglesas (como as de William Shakespeare e de Edgar Allen Poe) para o português e vice-versa.
Enquanto poeta, escreveu sobre diversas personalidades (heterónimos), como Ricardo ReisÁlvaro de Campos e Alberto Caeiro, sendo estes últimos objeto da maior parte dos estudos sobre a sua vida e obra.
A 29 de Novembro é internado com uma cólica hepática, associada à cirrose. Pensa-se que é devido ao excessivo consumo de álcool ao longo da sua vida. Morre no dia seguinte com 47 anos.

Vergílio Ferreira, Existencionalismo e Aparição

Vergílio António Ferreira nasceu em Gouveia no dia 28 de Janeiro de 1916 e faleceu a 1 de Março de 1996 em Lisboa. Foi um escritor e professor português. Apesar de se ter formado como professor, foi como escritor que mais se distinguiu. O seu nome continua a ser associado à literatura . Em 1992, recebeu o Prémio Camões. 

A sua obra costuma ser agrupada em dois períodos literários: Neorrealismo e Existencialismo. Podemos considerar a obra Mudança como a obra que marca a transição entre estes dois períodos.


Existencialismo - É um termo aplicado a uma escola de filósofos dos séculos XIX e XX que, apesar de possuir profundas diferenças em termos de doutrinas, partilhavam a crença que o pensamento filosófico começa com o sujeito humano, não meramente o sujeito pensante, mas as suas ações, sentimentos e a vivência de um ser humano individual. No existencialismo, o ponto de partida do indivíduo é caracterizado pelo que se tem designado por "atitude existencial", ou uma sensação de desorientação e confusão face a um mundo aparentemente sem sentido e absurdo. Muitos existencialistas também viam as filosofias académicas e sistematizadas, no estilo e conteúdo, como sendo muito abstratas e longínquas das experiências humanas concretas.



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Aparição - É o seu romance melhormente reconhecido que discute teorias filosóficas relacionadas com o existencialismo, escrito em primeira pessoa e publicado em 1959. A obra divide-se em três partes: o prólogo, a história (dividida em 25 capítulos) e o epílogo (que se divide em quatro partes). Segue a história do protagonista Alberto Soares quando fica colocado numa escola em Évora.



Personagens

Alberto Soares: Alberto Soares, o protagonista, procura compreender a realidade da sua existência. Busca a descoberta da pessoa que há em cada um de nós e a revelação de si a si próprio, vivendo, assim, atormentado. Este estabelece uma ligação com Sofia mas, como existencialista, não crê na paixão. Muitos acreditam que esta personagem seja o alter-ego de Vergílio Ferreira devido à forma como este narra a história.

Sofia: Tem uma face jovem, olhos vivos, "corpo intenso e maleável", mãos brancas e subtis e um maravilhoso olhar. Provocadora e sensual, o seu amor é feito de entusiasmo, de desespero e de loucura. Desde criança que se revela difícil, desafiando tudo e todos, as convenções sociais e morais e a própria vida, tentando o suicídio. Dotada de excessiva energia, preferia o absoluto da destruição. Isto pode observar-se quando a irmã parte o braço de uma boneca e ela destrói os brinquedos um a um. Sofia é uma personagem lunar, nocturna; tudo nela é enigma, com comportamentos, muitas vezes, desconcertantes.

Ana: Ana, a filha mais velha do Dr. Moura, revela-se, para Alberto, com uma enorme grandeza. Inquieta, parece, até certo momento, aceitá-lo e compreendê-lo, embora resista à sua notícia "messiânica". A sua sabedoria seduz o professor. Ana possui cabelos longos e lisos, face magra e olhar vivo. Está casada com Alfredo Cerqueira, um homem honesto e prático mas um pouco grosseiro. Lera dois livros de Alberto e sentira-se tocada pelas considerações existencialistas que neles se vislumbram.

Cristina: Uma menina de sete anos, admirável e de cabeleira loura. Tocava o "Nocturno 20" de Chopin divinamente. Cristina é só arte. É criança e não questiona ainda a vida, revelando, com a sua música, um mundo maravilhoso de harmonia. A sua inocência tornará presente "o mundo do prodígio e da grandeza". A sua música tem, para o narrador, o dom da revelação. Morre tragicamente ao regressar de Redondo, mas a sua imagem, a sua música e o silêncio da morte será, para sempre, uma amargura presente na memória de Alberto.

Carolino: Carolino, o Bexiguinha. Primo do Engenheiro Chico, é também uma personagem importante nesta ação, quer pelo louco assassinato de Sofia, quer, sobretudo, pela sua fascinação pela morte como criação.

Dr. Moura: É a personagem que se assume na diegese como elemento que fará a ligação aos outros, para depois se apagar até ao afastamento definitivo depois da morte de Cristina. É aquele que acredita em tudo sem necessidade de se interpelar.

Chico: Amigo da família Moura, é a personagem que acusa o protagonista quase desde o início da situação vivida em Évora. Poderá simbolizar a crueldade humana na facilidade com que julga os homens e as situações.

Alfredo: O protagonista no decurso diegético. Insiste em mostrar o seu lado rude. Atravessa o universo diegético como dos não eleitos, mas o protagonista conhece ainda outras facetas das personagens. Depois da morte de Sofia, é Alfredo que assegura a ligação a Alberto. Não pertencendo ao mundo dos eleitos, a sua presença é indispensável aos eleitos como forma de os perturbar.


Espaço e Tempo

Espaço Físico: A obra tem como cenário espaços importantes. Estes são Évora, Beira e Montanha. Évora surge como uma ''branca aparição'' enquanto que a Montanha é ''poética e mística''.

Espaço Social: O espaço social é constituído pelos seguintes elementos: a hierarquização social; o tipo de convívio que se estabelece entre as pessoas; os valores tradicionais; as tradições populares; as personagens-tipo. Estas personagens-tipo são Manuel Pateta, o Senhor Machado, o Reitor, Chico, Madame e Bailote.

Espaço Psicológico: É constituído pelos seguintes: as reflexões do narrador; monólogos do narrador; pelo canto de Sofia no local da morte de Cristina; pela memória do narrador.


Tempo da escrita: O narrador também é protagonista, logo, quando narra, situa-se neste tempo.

Tempo da história: Quando o narrador narra, quer a ação principal (Évora), quer a secundária (férias).

Tempo do discurso: Consiste em analepses e prolepses. O narrador não narra as ações numa ordem cronológica.


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quarta-feira, 26 de abril de 2017

Estrutura Interna

- A exposição da peça começa quando o Governador está sentado à secretária e diz para Nunes que não quer qualquer tipo de visita, declarando que não está disposto a atender ninguém, até que aparece o Sr. Milhões. ("homem importante e severo, de grandes suiças cuidadas e lunetas de aro de oiro.") .

- Todo o conflito na peça de teatro tem origem quando o Sr. Milhões apresenta para o Governador Civil um aparente negócio ou projeto importante, até que o Governador dá um pontapé na caixa e o Sr. Milhões refere que dentro da caixa está um negócio muito grave, foi então que revelou que estava uma bomba dentro da caixa. (" O maior crime de todas as épocas, a suprema tragédia de todos os tempos! Vamos estoirar dentro de vinte minutos." ... " O que o senhor vê aqui nesta caixa é o mais formidável de todos os explosivos SO3-HO4, cem vezes mais poderoso que a dinamite, o algodão-pólvora, e o fulminato de mercúrio. Basta carregar nesta campainha para irmos todos pelos ares, eu , o senhor, o prédio, o bairro, a capital.SO3-HO4." ... " O peróxido de azote".) .


- Assim que o Governador se apercebe do que está no interior da caixa entra em pânico, o senhor Governador começa por chamar Nunes para lhe dar auxilio, para lhe salvar, mas Nunes acaba por não aparecer. No entanto, o Governador começa por falar com o Sr. Milhões de maneira que se pudesse safar desta situação ao tentar demonstrar as consequências que o explosivo poderia ter, mas o Sr. Milhões acaba por não mudar de ideias.

 - O desenlace da peça ocorre quando se ouve um barulho no exterior. O Sr. Milhões faz retinir a campainha e o Governador Civil cai na cadeira com gestos desordenados, depois entram dois enfermeiro de casaco branco e resguardo e um deles acabo por destapar a caixa e, por fim, descobrem que era apenas algodão em rama.

O Doido e a Morte - Raul Brandão

A trama da peça O Doido e a Morte, texto de Raul Brandão encenado pelo Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, de Cabo Verde, parece fácil de ser descrita: um doido entra no gabinete do governador com uma bomba. O modo como os personagens lidam com essa situação revela uma sátira cheia de espírito e dotada de um estilo bem humorado de ver a vida através da morte.

Aos poucos, três elementos se revelam e se mostram relacionados sob duas forças, dois movimentos distintos:

O primeiro elemento é composto por dois artifícios - uma grande tela branca ao fundo do cenário, que assume cores marcantes com a luz e que vai acompanhando as mudanças de tons do espetáculo; junto com efeitos sonoros que dão máxima expressão a pequenos detalhes. Essa sonoplastia ressalta especialmente os movimentos mímicos. A tela não é bem um pano de fundo: os poucos objetos que compõem o cenário são transparentes, de forma a sempre incorporar a cor que irradia de trás e que se torna dominante na cena. Essa cor refletida ajuda a compor o fundo da história, como se retratasse o que está por trás de tudo o que se passa, além de exercer certa influência no momento da cena. Junto com a história não contada da vida de cada personagem, ela vai compor um elemento que se prende a marcas do passado, e é esse plano que contextualiza de forma subjetiva toda a história.


O segundo elemento são os personagens. Não há nenhuma relação social entre os dois personagens principais da peça, o Governador e o doido Sr. Milhões, mas eles são figuras conectadas, chegam a se declarar almas gémeas, facto que é importante para entender a conexão entre eles. Essa irmandade está na similaridade entre seres opostos. A ligação existe pois esses personagens sugerem apenas intensidades diferentes de uma mesma coisa: são personalidades que fogem da representação e do comum: um quer ser um génio e o outro quer ser um doido. O papel de ambos parece constantemente se inverter: o doido racionaliza sua descoberta filosófica e o esperto se desespera e endoidece de medo.
O terceiro elemento é o lugar da ação. O espaço da cena se resume ao gabinete do Governador, os personagens estão presos lá dentro, circunscritos a uma realidade de curta direção e sinistro. Porém, este gabinete guarda toda a vida dos personagens, é nele que o Governador passa o seu dia, lendo, jogando golfe e escrevendo suas peças de teatro.
A bomba, guardada numa caixa, se mantém intacta, mas detona uma tensão entre os três elementos citados. Ela é uma força que vem de fora e atinge os personagens, forçando-os a reagir. Com a morte como única saída, todos os três elementos da peça ganham intensidade. A relação entre eles, forçada pela presença da bomba, gera basicamente dois movimentos. Primeiramente, um movimento centrípeto, no qual a sua vida e o conforto do seu gabinete parecem se desmoronar e ruir. Por um momento se descobre a futilidade e os desperdícios vividos – um peso que esmaga os personagens. O outro movimento, centrífugo, surge de dentro deles, do cárcere pessoal, e impele para a fuga. Qualquer saída é válida, cada um a seu modo se contorce para alcançar a sua. A porta do gabinete não existe no cenário e é sempre atravessada com gestos mímicos de abrir e fechar, por isso parece não ser uma opção real de fuga. O Governador, por fim, trai todos os seus princípios morais para sair dali, chega a trair a si mesmo, entregando-se para seu único confessor possível, o Doido, como grande mentiroso; enquanto o intolerante Sr. Milhões só vê uma forma de completar o ciclo niilista: explodir-se e desintegrar-se para que sua poeira seja dissipada pelo cosmos.

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